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Acupuntura sistêmica como tratamento de paciente acometido por acidente vascular cerebral

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SABRINA FERREIRA MONTEIRO MORAIS
SIMONE APARECIDA BORGES FERNANDES
Artigo elaborado baseado em partes do Trabalho de Conclusão de Curso, Autora do artigo: Profa. Larissa A. Bachir Polloni – CETN

O acidente vascular cerebral (AVC) resulta da restrição da irrigação sanguínea ao cérebro, causando lesão celular e danos às funções neurológicas. É frequente em adultos e é a segunda causa de morte no mundo e a primeira causa de incapacidade funcional para as atividades de vida diária. Conforme a Organização Mundial da Saúde, cerca de 15 milhões de pessoas apresentam acidente vascular cerebral por ano, destas 5 milhões morrem em decorrência do evento e grande parte destes apresentam sequelas físicas ou mentais.

Na medicina tradicional chinesa (MTC), o AVC é conhecido como Zhong Feng (lesão pelo vento). Historicamente a primeira descrição foi feita no Tratado de Medicina Interna do Imperador Amarelo (Huang Di Nei Jing) há 2.200 anos. A denominação do vento deriva-se da análise dos sintomas do AVC, que geralmente são de instalação súbita, de características variáveis e de evolução imprevisível, esses fatos são semelhantes aos fenômenos naturais causados pelo vento.

Os padrões patológicos que envolvem a hemiplegia foram descritos por diversos médicos chineses desde a antiguidade. Pode-se observar que as teorias estabelecidas por cada um divergem principalmente quanto à etiopatogenia (Wang, 2007). O Su Wen descreve-se o golpe de vento (zhongfeng) como o causador da atrofia hemilateral, o qual invade os pontos dos órgãos e vísceras. No Ling Shu, atribuiu-se o estado de vazio perverso de Qi dos canais defensivos e construtivos como causa da atrofia hemilateral (Ming, 2001).?Em seus livros dois livros Shang Han Lun e Jinkui Yaolue, Zhang Zhong-jing (150- 219) também considerou o vento como alvo de seus estudos e atribuiu a este fenômeno diversas doenças e distúrbios, incluindo a hemiplegia (Luo; Zhang, 1995; Wang, 2007).

Liu He-jian (1120-1200) afirmou que o golpe de vento não é um movimento interno do vento do fígado (gan) e que este também não é causado por um ataque de vento externo, e sim de uma recuperação insuficiente de um estado de fogo interno (Wang, 2007).

Li Shi-zhen (1518-1593) associou o golpe de vento à pré-existência de deficiência de Qi e de sangue (xue). Afirmou ainda que os casos graves de colapsos e coma são gerados por golpes de fleuma (tanyin) e que os colapsos súbitos e frios são causados por distúrbios emocionais que bloqueiam a circulação de Qi nos órgãos e vísceras (Li, 1985, 1998).

Yang Ji-zhou (1522-1620) atribuiu ao golpe de vento mais de uma centena de doenças, já que o vento pode atacar cada sistema corporal e gerar inúmeras combinações de sinais e sintomas.

Outros elementos, com fleuma ou Qi, raiva ou alegria apenas contribuem para variações do quadro clínico (Wang, 2007).

Wang Qing-ren (1768-1831) afirmou que o “falso” golpe de vento pode ser atribuído ao vento interno e a uma variedade de doenças diferenciadas pelo canal e rede de vasos afetados, que na medicina ocidental pode corresponder ao AVC e à paralisia de Bell. O “verdadeiro” golpe de vento caracteriza-se por um ataque súbito com perda de consciência e em alguns casos desvio de boca e olhos, hemiplegia, afasia e incontinência vesical (Wang, 2007).
Ross (1994) afirmou que os sintomas mais importantes do yang hiperativo são aqueles ocasionados pela turbulência causada pelo movimento rápido para cima do yang. A hemiplegia resulta da ascensão se combina com o fogo e invade os canais da parte superior do corpo, interrompendo o fluxo de Qi e sangue (xue). O mesmo pode ocorrer quando a turbulência e obstrução são geradas pelo vento e a mucosidade.

Maciocia (1996) atribuiu à etiologia do golpe de vento há quatro grupos de condições fundamentais: excesso de trabalho, estresse emocional e atividade sexual excessiva, causadoras de deficiência de yin do rim (shen) e fígado (gan) e ascensão do yang do fígado (gan) que especialmente nos idosos, pode gerar vento no fígado (gan); alimentação irregular e esforço físico excessivo: grandes quantidades de alimentos doces, laticínios e frituras enfraquecem o baço (pi) e geram mucosidade (fator predisponente de obesidade), que pode se combinar ao fogo; atividade sexual excessiva e repouso inadequado enfraquecem a essência do rim (shen) e gera deficiência da medula (sui), que falha em nutrir o sangue (xue) e eventualmente a quadros de estase (estagnação) do mesmo; esforço físico excessivo e repouso inadequado enfraquecem o baço (pi), os músculos e os canais, permitindo a manifestação do vento interno pela deficiência de Qi e sangue nos mesmos e a maior suscetibilidade aos ataques de vento exterior.

Em 2006, Maciocia descreveu o conjunto de sinais e sintomas que caracterizam os padrões que descrevem a apoplexia: colapso do yang: hemiplegia, inconsciência súbita, confusão mental, olhos fechados, boca e mãos abertas, incontinência urinaria, respiração fraca, membros frios, cútis branco-brilhante, transpiração da fronte, língua pálida e curta, pulso escondido e disperso; e colapso do yin: Hemiplegia, inconsciência súbita, desvio do olho e da boca, olhos fechados, boca e mãos abertas, respiração fraca, membros frios, face vermelha, língua vermelha sem saburra, pulso mínimo.

Segundo a Administração Estatal de Medicina e Farmácia Tradicionais Chinesas, 2007, a apoplexia pode estar relacionada a: quadros de deficiência de yin do fígado (gan) e rins (shen), resultante de estresse, atividade sexual excessiva e idade avançada, e ainda por deficiência de Qi e sangue (xue), complicada por estagnações nos meridianos, caracterizada por desvios musculares faciais e hemiplegia; o ataque de vento externo invade os canais quando a resistência está enfraquecida, impede a circulação de Qi e sangue (xue), podem ser acompanhados de fleuma súbita provocando perda de sensibilidade; o vento interno derivado da hiperatividade do yang do fígado (gan) e da deficiência de yin e induzida por descontroles emocionais, excesso de álcool, estresse ou clima anormal para a época do ano; a umidade-fleuma produzida por alimentação inadequada (gordura, doces e álcool), comum em pacientes obesos e estressados, desequilibra o transporte e transformação do Qi do baço (pi) e estômago (wei), pode cronicamente se transformar em calor e obstruir os meridianos, se combinar com a invasão de fogo no baço (pi) e vento do fígado (gan) e ascender; e a hiperatividade do fogo do coração e do fígado (gan) causada principalmente por excesso de raiva e deficiência de yin dos rins (shen) e fígado (gan).

Em resumo, o vento, a mucosidade, o fogo e a estase são os quatro fatores patogênicos do AVC na MTC, que podem aparecer em combinação e se apresentar com diversos graus de intensidade. A hemiplegia é consequência da obstrução dos canais por ação do vento e da mucosidade, a rigidez das articulações e a contração dos músculos indicam estase de sangue (xue), sobre um fundo de deficiência de Qi, sangue (xue) ou yin. Após um golpe de vento é importante observar os desequilíbrios que causaram o primeiro episódio, podem estar ainda latentes, predispondo o paciente a futuras crises (Maciocia, 1996, 2006).

A seguir descrevemos um caso de vento interno, e o tratamento instituído discutindo a respeito da evolução do caso.

Metodologia: EFR, paciente do sexo masculino, nascido no dia 13-01-41, em Taubaté -S.P, 43 anos. Casado, pai de 06 filhos. Hipertenso, em tratamento para Arritmia Cardíaca e Doença Renal Crônica, não dialítica. Em uso contínuo dos seguintes medicamentos: AAS, Haloperidol, Sustrate, Losartana, Sinvastatina, Atenolol, Anlodipina e Lacto purga em dias alternados. Sofreu um Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI) em abriu de 2006, onde permaneceu internado no Hospital Regional do Vale do Paraíba, por 5 dias. Evolui com períodos de confusão mental, hemiparesia incompleta e hemiataxia.

Após oito anos do AVCI, encontra-se orientado em tempo e espaço, ansioso. Irrita-se com facilidade. Às vezes sente-se triste, fica emotivo com facilidade. Moderada quantidade de cabelo, uns 70% esbranquiçados, e calvície nas têmporas. Olhos com brilhos e vasos protusos. Hipoacuasia bilateral. Rubor malar e no mento. Pele opaca, ressecada. Monoparesia no MSE, grau: IV sensibilidade tátil preservada. Tremores nos MMSS e MMII, mais acentuado à esquerda. Hiperreflexia esporádica no MSE. Abdome globoso, RHA+, flácido, sensível à palpação profunda na região epigástrica. Edema importante (+++/4+) e tremores nos MMII, mais acentuada no MIE. Amputação traumática do Hálux, segundo e terceiro artelhos do pé direito, (proveniente de um acidente de trabalho). Marcha atáxica. Queixa-se de dor nos MMII quando deambula. Informa que dorme cerca de 13 horas por dia, tem sono tranquilo, sem sonhos. Come pouco, não sente fome. Tem preferência por alimentos doces e farinhas. Não gosta de alimentos picantes. Come poucas verduras, legumes e frutas. Não sente sede, ingere água somente no período da manhã. Urina escassa, amarelo ouro. As fezes são ressecadas, em pouca quantidade. Só evacua com ingestão de laxante. Na inspeção da língua evidencia- se, uma língua rósea e grossa, sem saburra, seu formato é quadrado de tamanho médio, com fissura no centro, fina, transversa, que se estende até a ponta; rachaduras nas laterais.

O plano terapêutico foi escolhido com a intenção de promover a ascendência e descendência do Qi, equilibrar Yin e Yang, eliminar fator patogênico externo e equilibrar o lado direito com o esquerdo.

Selecionamos os pontos: VG20, VG16, VG14, VG8, R3, BP9, P8, IG4, IG11, E36, em tonificação, deixando às agulhas por 10 minutos. F3, F2, VB20 em sedação, deixando às agulhas por vinte minutos, conforme Maciocia. Os pontos foram inseridos até uma sensação satisfatória de Te Qi. Foi realizada uma sessão semanal, com duração de 45 minutos cada, somando um total de 20 sessões. Utilizamos agulhas descartáveis, com cabo espiral, 0,25×30, Dongbang. Foi sugerido retorno as sessões de fisioterapia, que o mesmo abandonou após cinco sessões.

A primeira consulta ocorreu no dia 18-07-2013. Cliente apresenta-se calmo, comunicativo. Com tremores nos MMSS. Hiperreflexia esporádicas no MSE. Hemiparesia incompleta à esquerda, flácida, Grau: III, com sensibilidade dolorosa preservada. Pele ressequida. Edema de MMII +++/4+, pele escurecida na face distal das pernas, descamativas. Marcha atáxica. Durante a sessão sentiu calor no ponto IG4. A agulha do ponto R3 saiu após 03 minutos de ser inserida.

Após a terceira sessão os tremores dos MMSS diminuiram gradativamente, chegando a sessar totalmente na sexta sessão. Houve melhora gradativa e significativa do edema dos MMII após a segunda sessão, ficando com edema de +/4+, permanecendo assim. Em todas as sessões foi orientado ao cliente que ingerisse mais líquidos, porém as orientações não foram seguidas.

Foi evidenciado melhora da sonolência e da apatia após a nona sessão. O cliente não dormiu mais à tarde, se interagindo melhor com a família, conforme relato da esposa.

Houve um grande progresso da marcha atáxica, cerca de 60%, não evoluindo para 100% devido ao grande tempo sem tratamento após o AVCI e perda da força motora. A dor nos MMII teve discreta melhora. Também não houve melhora da constipação intestinal.

Não foi realizado acupuntura na 15o sessão, pois o cliente estava hipotenso.

Em todas as sessões o cliente mostrou-se tranquilo, cerca de três vezes houve sangramento, pequeno após a retirada da agulha do ponto F3. Ele não mudou seus hábitos alimentares, não aumentou a ingestão de líquidos e se ainda se recusa a fazer fisioterapia ou alguma atividade física.

Após a décima terceira sessão notou-se mais progressos nos problemas evidenciados na admissão. Não houve alteração da categoria de pontos selecionados em nenhuma sessão. A última e vigésima sessão ocorreu no dia 28- 11-13.

CONCLUSÃO: Pelas características evidenciadas no exame físico e na língua do cliente, atribuímos o rubor facial a hipertensão e a constipação, ao Calor no coração e no intestino grosso respectivamente. Os olhos vermelhos diagnosticaram como fleuma- fogo. As alterações da pele como deficiência do Qi e estase de Xue. A monoparesia, as mioclônias, os tremores dos membros, o espessamento da língua como umidade- vento, no fígado. A hipoacusia como deficiência do Yin do rim. O edema, a obesidade, juntamente com a má alimentação esta relacionada com a deficiência do Qi do Baço, evoluindo pela cronicidade para fleuma-umidade, se transformando em calor, obstruindo os meridianos. Estes fatores juntamente com o calor no coração, vento no fígado a deficiência do Yin, acrescentada a irritabilidade, ansiedade são as principais fatores patogênicos causadores de AVC na MTC. (Maciocia, 2006)

Conclui-se que a acupuntura tem resultados excelentes e é primordial para o tratamento do AVC, visto que a medicina ocidental ainda não possui nenhum tratamento com eficácia comprovada.

Porém o tratamento deve ser iniciado após 48h do inicio do quadro, as sessões devem ser realizadas diariamente e ter duração de no mínimo seis meses. Deve-se levar em conta que este tratamento iniciou após oito anos do inicio do quadro, o mesmo realizou vinte sessões, e a fisioterapia foi realizada poucas vezes ao longo desses anos.

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