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Espécies medicinais brasileiras com potencial uso clínico no controle patogênico do diabetes mellitus segundo a Medicina Tradicional Chinesa

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PAULO FERNANDO CREPALDI

Monografia apresentada ao Centro de Estudos em Terapias Naturais – CETN/ Bauru, como parte das exigências do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Acupuntura, para a obtenção do título de especialista em Acupuntura, Bauru – 2013.


O diabetes mellitus é a desordem metabólica com maior acometimento mundial, afetando mais de 176 milhões de pessoas em todo o planeta, é a principal causa de mortalidade e de incapacidade para o trabalho entre a população economicamente ativa devido a complicações relacionadas como problemas cardíacos, retinopatias, doenças renais e neuropatias, dentre outras. Nos dias atuais, o aumento do consumo de plantas medicinais é uma realidade observada por razões históricas, culturais e econômicas e faz parte integrante da Medicina Tradicional Chinesa há milênios. Na China e no mundo todo, mais de 1200 espécies de plantas foram empiricamente reportadas quanto a suas alegadas atividades hipoglicemiantes, no entanto, apenas pequena parte dessas passaram por avaliações científicas que comprovaram algum efeito farmacológico. Não se sabe ao certo quantas são as plantas brasileiras utilizadas no tratamento do diabetes segundo os conceitos da Medicina Tradicional Chinesa, o fato é que dentre as poucas plantas estudadas e que se caracterizam fitoquimicamente semelhantes às plantas nativas da China para o tratamento do diabetes estão a Syzygium cumini L. e a Baccharis trimera (Less.) D.C., no entanto, a condução de projetos que busquem pelo exato mecanismo de ação, padronização posológica, esquema terapêutico, associações e interações medicamentosas além de ensaios toxicológicos avançados e a longo prazo, são de extrema importância na caracterização dessas plantas no esquema terapêutico do diabetes segunda o Medicina Tradicional Chinesa.

O Brasil possui uma das floras mais privilegiadas em plantas potencialmente medicinais do planeta, cujo uso deve ser feito com critério científico, a fim de que haja uma garantia de eficácia e segurança ao usuário.

Nesse trabalho objetivamos sumarizar informações quanto à classificação, epidemiologia, fisiopatologia, patogenia das principais complicações e a farmacoterapia convencional do diabetes mellitus. Além disso, buscamos levantar informações na literatura internacional de algumas das principais plantas utilizadas na fitoterapia contemporânea do diabetes, enfatizando duas das plantas mais comumente utilizadas no Brasil para esse fim e, devido às suas composições fitoquímicas, com potencial de uso na Medicina Tradicional Chinesa, a Syzygium cumini L. e a Baccharis trimera (Less.) D.C., seus constituintes principais, farmacologia, eficácia e toxicidade.

As plantas do gênero Baccharis são amplamente usadas na medicina popular sul-americana na forma de extratos aquosos preparados com as partes aéreas da planta, sendo utilizados no tratamento de doenças gastrintestinais e hepáticas, angina, processos anti-inflamatórios e no diabetes (PIO CORREA, 1984; SOUZA et al., 1991).

Diversos efeitos biológicos têm sido descritos para extratos de diferentes espécies do gênero, tais como gastroprotetor (BAGGIO et al., 2003), espasmolítico (WEIMANN et al., 2002), antimicrobiano (FERESIN et al.,2003), antiviral (SANCHEZ-PALOMINO et al., 2002), antioxidante (OLIVEIRA et al., 2003), relaxante da musculatura lisa vascular (TORRES et al., 2000), hepatoprotetor (SOICK e LENG-PESCHLOW, 1987), e atividade anti-inflamatória (GENE et al., 2000).
De acordo com a literatura, flavonóides e diterpenos foram elucidados por estudos fitoquímicos da Baccharis trimera (Less.) D.C. (BOHLMAN e ZDERO, 1969; HERZ et al., 1977). Importantes efeitos imunorregulatórios têm sido descritos para os diterpenos (CHAN et al., 1999; LIU et al., 2000) enquanto que os flavonóides são conhecidos por suas atividades anti-inflamatórias (AGARWAL, 1982; KUBO et al., 1984), anti-reumáticas (KUBO et al., 1984) e imunomodulatórias (CHO et al., 2003).

Um ensaio monitorado por TORRES et al. (2000) mostrou que o extrato clorofórmico das partes aéreas da Baccharis trimera (Less.) D.C. produziu um efeito relaxante na musculatura vascular portal hepática lisa de ratos através do bloqueio dos canais de Ca+2 e despolarização subseqüente pelo KCl. O composto ativo foi identificado como sendo um diterpeno.

SOARES et al. (2004) em estudo com ratos envolvendo o diterpenóide 7?-hidroxi-3,13-clerodadieno-16,15:18,19-diolido, isolado do extrato clorofórmico da Baccharis trimera, demonstrou a atividade anti-proteolítica e anti-hemorrágica do composto contra o veneno ofídico da Bathrops jararacussu. O inibidor foi capaz de neutralizar as atividades hemorrágicas, fibrinogenolíticas e caseinolíticas das metaloproteases isoladas do veneno das cobras, sendo que nenhuma inibição na coagulação sanguínea dos ratos tenha sido observada.

Embora a Baccharis trimera (Less.) D.C. seja amplamente utilizada no Brasil e nos países da América do Sul no tratamento do diabetes, apenas um estudo envolvendo suas atividades antidiabéticas foi publicado até hoje.

COELHO et al. (2005) em seu recente trabalho avaliou, em ratos não-diabéticos e diabéticos induzidos por Streptozotocina, o potencial efeito antidiabético do extrato etanólico das folhas da Baccharis trimera (Less.) D.C. e da Syzygium cumini L., assim como as frações aquosas e butanólicas desses extratos. Além disso, avaliou se alguma mudança na glicemia induzida por um tratamento prolongado com esses extratos poderia estar associada a uma mudança na ingestão dos alimentos e ao peso corpóreo.

O tratamento agudo com as frações e extratos da Baccharis trimera (Less.) D.C. e da Syzygium cumini L. não reduziram a glicemia dos ratos não diabéticos. No entanto, a redução da glicemia foi observada após um tratamento de 7 dias com o extrato etanólico e com as frações aquosas e butanólicas da Syzygium cumini L., embora esse efeito tenha sido associado com uma redução significativa do peso corpóreo e do consumo dos alimentos, levando-se à conclusão que o extrato e frações das folhas dessa planta não possuem um efeito hipoglicemiante genuíno (COELHO et al., 2005).

Ainda de acordo com os resultados de COELHO et al. (2005), nos ratos diabéticos induzidos pela Streptozotocina, somente a fração aquosa do extrato da Baccharis trimera (Less.) D.C. induziu uma parcial, mas significativa redução da glicemia. Ainda que os ratos tenham tido sua massa corpórea reduzida após o tratamento com Streptozotocina, o efeito da Baccharis trimera (Less.) D.C. não foi associado a uma redução adicional.

Esse efeito pode estar associado à presença de flavonóides e de ácidos clorogênicos, já que suas atividades hipoglicemiantes já foram anteriormente demonstradas (ANDRADE-CETTO e WIEDENFELD, 2001).

Embora os resultados do estudo de COELHO et al. (2005) tenham indicado que a porção aquosa do extrato da Baccharis trimera (Less.) D.C. reduz a glicemia de ratos diabéticos, seu uso terapêutico deve ser pesado contra a toxicidade reportada em algumas outras espécies do gênero Baccharis.

Há pontos de contato entre as duas visões e também disparidade, devido à diferença de pressupostos. As tendências da pesquisa ocidental para o tratamento do Diabetes são as técnicas genéticas de identificação e correção dos genes responsáveis e a busca de regeneração do tecido pancreático através do transplante de tecido formado por células tronco. Recentemente foi publicado que os pacientes diabéticos poderão inalar insulina através de “spray “.

A MTC é obrigada pela sua própria filosofia a investigar o processo de cada paciente, sem esperar soluções universais. Sua teoria leva-a a considerar aspectos como o comportamento emocional e sexual, pouco relevantes para a medicina ocidental no caso do diabetes. A utilização de insulina, segundo Mestre Liu Chih Ming, a longo prazo é prejudicial ao doente, pois inibe um possível restabelecimento do funcionamento do pâncreas através de métodos energéticos. Em relação ao aspecto constitucional, a MTC acredita que é possível prevenir a manifestação da doença se medidas terapêuticas forem adotadas precocemente. Uma criança com deficiência de Essência, fator que pode levar ao Diabetes, pode tomar os compostos para este problema ou ser tratada com Tuiná ou acupuntura (LENARD, 2002).

Sendo otimistas, diríamos que uma nova perspectiva pode nascer do diálogo das duas visões. A MTC pode beneficiar-se do conhecimento fisiológico adquirido pela medicina ocidental sobre o pâncreas. A medicina ocidental poderia testar experimentalmente as afirmações da MTC sobre os pontos de acupuntura que influenciam o funcionamento do pâncreas ou comparar pacientes tratados pelos dois sistemas. Para que isto ocorra entretanto, serão necessários médicos e pesquisadores que conheçam suficientemente as duas visões para entender suas conexões e diferenças (LENARD, 2002).

O notável aumento observado na prevalência do diabetes mellitus tipo 1 e, principalmente, do tipo 2 redirecionou as estratégias clínicas para o controle dos níveis plasmáticos de glicose e a prevenção das complicações das doenças. Tendo-se em vista a ampla lista de problemas observados no diabetes, a assistência ao paciente deve ser minuciosa e abrangente, envolvendo muito mais que o simples controle glicêmico.

A doença aterosclerótica constitui, sem dúvida alguma, a principal causa de mortes em pacientes diabéticos. A fisiopatologia que leva à aterosclerose é complexa e multifatoreal, sendo que as biguanidas são os únicos agentes orais hipoglicemiantes que apresentam redução significativa dos eventos macrovasculares.

Atualmente, uma grande variedade de espécies vegetais são usadas no Brasil e no mundo para o tratamento do diabetes ou de seus sintomas, inclusive possuindo em comum a substância fitoquímica emodina. A maioria dessas plantas foi originalmente usada no tratamento de uma variada gama de desordens renais, hepáticas e gastrointestinais. Seria, portanto, extremamente interessante analisar esse processo futuramente, a partir de uma visão etnofarmacológica aplicada à Medicina Tradicional Chinesa.

Além da promoção de uma educação nutricional da população de um ponto de vista holístico, deve haver esforços em monitorar as plantas vendidas nos mercados e coletadas para o autoconsumo. Programas de conscientização aliados a estudos farmacodinâmicos devem ter prioridade para se obter uma padronização no tratamento fitoterápico do diabetes.

Os futuros estudos abordando, principalmente, as plantas medicinais de considerado consumo nacional, como a Syzygium cumini L. e a Baccharis trimera (Less.) D.C., devem incluir em seus projetos a busca pelo mecanismo de ação, padronização posológica, esquema terapêutico, associações e interações medicamentosas do ponto de vista da Medicina Tradicional Chinesa além de ensaios toxicológicos avançados e a longo prazo.

Somente os resultados desses estudos clínicos poderão esclarecer as questões mais importantes da fitoterapêutica do diabetes segundo a Medicina Tradicional Chinesa e fornecer novos alvos farmacológicos na tentativa de reduzir as consequências devastadoras dessa doença comum.

Adaptado por profa. Brena de O. B. Montanha.

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