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Artigo Científico: Os meridianos de Acupuntura e as pesquisas científicas

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Eneida Mara Gonçalves [CRBM 1136] e Sérgio Franceschini Filho [CRBM 1813]

 Resumo: As pesquisas científicas com base na Acupuntura se iniciaram na década de 50, quando vários estudos controlados e randomizados de alta qualidade mostraram os efeitos e os mecanismos de ação da especialidade.

O sucesso da Acupuntura deu origem a vários estudos que comprovam o seu efeito benéfico, tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu cerca de 400 pontos de Acupuntura e 20 meridianos conectando a maioria dos pontos.

A ciência conseguiu explicar os pontos de Acupuntura, a ação da estimulação destes pontos e seus efeitos, porém, até recentemente a teoria dos meridianos não era aceita pela comunidade científica, pois sua existência não era comprovada.

Este trabalho tem a finalidade de fazer um levantamento das pesquisas mais recentes, que já foram publicadas, tentando comprovar a existência dos meridianos ou canais de Acupuntura.

Meridianos

Os meridianos da Acupuntura são reconhecidos pela Medicina Tradicional Chinesa (MTC) como canais que conectam a superfície do corpo com os órgãos internos, sendo que estes canais têm a função de transportar a energia através de todo o corpo.

Nos últimos anos cerca de 17 teorias tentam compreender o sistema de pontos da Acupuntura por uma perspectiva ocidental, procurando principalmente, característica histológicas distintas que pudessem diferenciar os pontos de Acupuntura do tecido circunvizinho; identificando estruturas, feixes neurovasculares, acessórios neuromusculares e terminações nervo-sensoriais. Esta mesma perspectiva de estudo foi transportada para estudar o sistema de meridianos de Acupuntura, tentando identificar as mesmas estruturas no trajeto dos canais de energia da Medicina Tradicional Chinesa.

 
Fonte: Wenbu,X.-Tratado de Medicina Chinesa, Editora Roca,S. Paulo,1993.

Tecido conectivo
(Langevin, H.M.; Yandow, J.A.)

Em um trabalho elaborado no departamento de neurologia da Universidade de Vernon (Burlington) foi demonstrado que a rede de pontos e canais é formada por tecido intersticial conectivo e esta relação é muito relevante no mecanismo terapêutico da Acupuntura (Langevin, 2001).

Vários autores sugeriram que pode existir uma correspondência entre os meridianos de Acupuntura e o tecido conectivo (Matsumoto, 1988; Oschman 1993; Ho e Knigh 1998).
Trabalhos recentes fornecem evidência experimental na sustentação desta hipótese; caracterizado por uma resposta do tecido conectivo ao agulhamento que é quantitativamente diferente nos pontos de Acupuntura comparados com os pontos controle, o que pode constituir um importante indício da natureza dos pontos e meridianos de acupuntura (Langevin et al 2001).

Os meridianos formam uma rede em todo o corpo conectando tecidos periféricos aos órgãos centrais (Kaptchuk, 2000), exatamente a mesma descrição que encaixa ao tecido conectivo. O tecido conectivo intersticial frouxo, incluindo o tecido subcutâneo, constitui uma rede contínua que envolve todos os músculos, ossos e tendões, estendendo-se até as áreas mais internas do corpo, alcançando até os tecidos conectivos mais especializados, tais como, periósteo, períneo, pleura, meninges etc. O tecido conectivo permeia todos os órgãos e cerca todos os nervos, vasos sangüíneos e linfáticos, além do que a estrutura e a composição bioquímica do tecido conectivo intersticial responde a estímulos mecânicos, tendo um papel importante na integração das diversas funções fisiológicas. Caracterizando que o agulhamento em pontos pré-determinados de acupuntura tem efeito remoto no local da inserção da agulha, sendo que estes efeitos são mediados por meio do sistema de meridianos. Este mecanismo envolve a transdução do sinal através do tecido conectivo com a participação secundária de outros sistemas, incluindo o sistema nervoso, mostrando uma grande compatibilidade com a teoria da acupuntura tradicional (Langevin et al 2001).

A manipulação da agulha de Acupuntura produz mudanças celulares que se propagam ao longo do tecido conectivo plano, estas mudanças podem ocorrer mesmo se a agulha for colocada em qualquer ponto mas pode ser realçada quando a agulha é colocada exatamente nos pontos de Acupuntura. A anatomia de pontos e de meridianos da Acupuntura pode ser um fator importante na desmistificação desta técnica milenar (Langevin et al 2001). Este mesmo trabalho faz uma relação muito interessante entre os termos da medicina tradicional chinesa com os científicos: Meridianos de Acupuntura com tecido conectivo plano; Pontos de Acupuntura com a convergência do tecido conectivo plano; Qi com a soma de todos os fenômenos energéticos do corpo, tais como metabolismo, movimento, sinalização e troca de informações; Trajeto de Qi com fenômeno de sinalização bioquímico e ou bioelétrico através do tecido conectivo. Bloqueio de Qi com a conecção alterada da matriz do tecido conectivo dificultando ou bloqueando o sinal de transdução celular; Agulhamento com contração ou enrolamento dos fibroblastos ao redor da agulha; Sensação de De Qi com estimulação dos mecanoreceptores através do tecido conectivo sensório; Propagação da sensação de De Qi com onda de contração do tecido conectivo e estimulação dos mecanoreceptores através do tecido conectivo plano; Restauração do fluxo de Qi com ativação celular que conduz a matriz do tecido conectivo favorecendo e restaurando o sinal de transdução.

Traçado radioativo I
(Simon, J.; Guiraud, G;
Esquerre, J.P.; Lazorthes,
Y.; Guiraud, R.)

Pesquisa elaborada pelo serviço central de medicina nuclear CHU Toulouse-Purpan, Toulouse.
O trajeto radioativo pode ser visualizado injetando-se techinecio 99m no local do ponto de acupuntura. Para determinar a natureza exata do trajeto dos meridianos foram executados diversos testes em voluntários saudáveis.

O órgão alvo do techinecio 99 foi notadamente a glândula tireóide que foi visualizada em todos os testes. A circulação radioativa visível foi escaneada e confirmada pela contagem venosa teve representação significativa. O trajeto radioativo foi observado após a injeção no ponto inicial do meridiano, e não em toda e extensão do meridiano, desta forma, com a aplicação no ponto inicial ocorre a visualização do meridiano. O trajeto radioativo desaparece após o bloqueio venoso e reaparece depois deste. Finalmente o trajeto radioativo obtido foi similar após a injeção do traçado radioativo no ponto de Acupuntura com o ponto controle.

Estes achados indicam uma drenagem linfática e venosa do “tracer” radioativo do ponto de injeção seguido pela melhor visualização e transporte através do sistema venoso.

Impedância elétrica
(Ahn, A.C.; Wu, J.; Badger, G.J.; Hammerschlag, R.; Langevin, H.M.).
Estudo da Universidade de Clínica Geral de Vermont, VT, Estados Unidos.

Os pontos e meridianos de Acupuntura são comumente reconhecidos por possuírem propriedades elétricas diferenciadas. Os estudos mais recentes indicam uma correspondência entre os meridianos de acupuntura e o tecido conectivo plano. Nesta pesquisa se verifica que o trajeto dos meridianos de Acupuntura que estão associados com o tecido conectivo frouxo plano (entre músculos ou entre músculos e ossos) visível pelo ultra-som (US) tem condutividade elétrica maior (menor impedância elétrica) do que em regiões onde não existe o trajeto dos meridianos. Este trabalho verificou a impedância elétrica nos meridianos do pericárdio (PC) e baço-pâncreas (BP) determinados pela palpação, sendo introduzidas agulhas de ouro como eletrodos para poder medir a corrente elétrica. Esta pesquisa concluiu que a impedância do tecido que esta ao longo do meridiano do pericárdio (PC) estava mais baixa do que a do meridiano do baço-pâncreas (BP). A imagem do ultra-som (US) de segmentos do meridiano e do controle sugeriu que o contato da agulha com o tecido conectivo pode explicar a notável impedância elétrica no meridiano do pericárdio (PC). Outros estudos são necessários para determinar se a impedância do tecido é mais baixa no tecido conectivo do que no tecido muscular e também se é menor em meridianos associados ao tecido conectivo do que aos meridianos que não estão associados ao tecido conectivo.

Traçado radioativo II
(Kovacs, F.M.; Gotzens, V.;
Garcia, A.; Mufraggi, N.;
Prandi, D.; Setoain, J.; Roman, F.S.)
Estudo da Fundação Kovacs, Palma de Mallorca, Espanha.

O objetivo deste estudo foi o de verificar o trajeto da migração radioativa do techinecio 99m injetado hipodermicamente em pontos de baixa resistência elétrica. Foram utilizados 16 cães machos adultos. Os pontos de controle e de teste foram definidos através da comparação de sua resistência elétrica. Foram executados setenta e três testes de três formas diferentes, (1) injeções hipodérmicas separadas de 99mTc, de 201Tl, 131lNa e do sulfito de 99mTc no controle e nos pontos teste; (2) injeções simultâneas de 99mTc, e 201Tl em pontos de controle e de teste; (3) injeções intravenosas de 99mTc em pontos de teste subjacentes aos vasos sangüíneos.

Esta experiência demonstrou que somente a injeção hipodérmica de 99mTc em pontos de baixa resistência elétrica demonstrou a ascensão a um trajeto radioativo específico caracterizado pela migração longitudinal rápida, claramente independente da atividade metabólica de fundo. O trajeto radioativo específico detectado não é resultado da difusão do “tracer” radioativo através dos nervos, das veias ou do trajeto linfático, mas seu caminho coincide com aquele descrito pelos meridianos de Acupuntura no cão.


Junções GAP. Fonte:Eça P L e col., Biologia Molecular, Ed. Revinter, 2004.S.Paulo

Modelo matemático
(Friedman, M.J.; Birch,
S.; Tiller, W.A.)
Estudo do Departamento de Ciências Matemáticas, Universidade do Alabama, Huntsville.

Os conceitos tradicionais da acupuntura clássica e da medicina tradicional chinesa vêm de uma cultura muito diferente da nossa, o que gerou problemas consideráveis em sua exata apresentação. Este trabalho tenta desenvolver uma linguagem matemática que una estes conceitos tradicionais aos modelos experimentais que podem ser testados.

A base do estudo foi rever e confirmar a técnica de Manaka, onde agentes polarizados, tais como Cu(+) e Zn(-) foram aplicados a locais que não são pontos de acupuntura e também aos meridianos, nos pontos chamados de mãe e filho. Neste caso foi verificado que a dor aumentou na orientação do Cobre e do Zinco no sentido do meridiano e diminuiu no sentido oposto. Foi observado que esta reação está de acordo com a teoria dos cinco elementos da Medicina Tradicional Chinesa. Seguindo também esta técnica foi verificado que através da aplicação de Cu e Zn pela teoria da mãe e filho o efeito é mais duradouro do que a aplicação em não pontos de Acupuntura.

Utilizando a comprovação da técnica de Manaka, foram montados circuitos elétricos equivalentes a um único meridiano, um modelo elétrico similar à membrana da sinapse com duas canaletas iônicas, representando a propagação de impulsos elétricos ao longo dos meridianos. Foi desenvolvido também um modelo matemático como um sistema dinâmico dimensional através dos cinco elementos, representando o ciclo de criação e também o de controle. Este modelo foi conectado à membrana (mencionada acima) supondo uma lei de ação maciça simples, para a dependência dos condutores nas canaletas iônicas.

Este modelo é utilizado para descrever o desenvolvimento de uma patologia e seu tratamento de acordo com a teoria dos cinco elementos (mãe-filho). A doença é interpretada como um bloqueio em um meridiano (canaleta iônica) e o tratamento, quando se inicia o processo de desbloqueio.

Morfogênese
(Stux,G.; Hammerschlag,R)

A relação entre o sistema de meridianos e a embriogênese é observada há décadas. O modelo de transdução do sinal epitelial embriogênico da junção “gap” propôs, em meados dos anos 80, que o sistema de meridianos contém células epiteliais relativamente indiferenciadas conectadas por junções “gap”, que, realizando uma sinapse elétrica entre os citoplasmas das células, fazem a transdução de sinais e desempenham um papel central na mediação dos efeitos da Acupuntura.

Campo bioelétrico
(Stux,G; Hammershlag,R)                                                                                                                                                                                                             

 Esses autores atualizam uma importante questão na tendência reducionista ocidental de tentar explicar os mecanismos da Medicina Tradicional Chinesa apenas por uma visão anatomofisiológica, destituída do entendimento ou da valorização dos campos eletromagnéticos do ser humano, aos quais sofrem influência inclusive dos pensamentos e sentimentos das pessoas. A atividade elétrica de conjuntos de neurônios que se expressam em pensamento produzem variações de propriedades magnéticas do tecido que podem ser visualizadas pela ressonância magnética funcional (Nelson S. Lima,PhD)

A sobreposição de muitos pontos de Acupuntura com os pontos de máxima sensibilidade nas síndromes miofasciais (trigger points) (Melzac R, 1977), levou alguns médicos a acreditarem que o sistema de meridianos descrito na literatura da Acupuntura clássica não existe e que todos os efeitos da Acupuntura são mediados pelo sistema nervoso (Warren H. Green, 1992). Outros autores, no entanto, consideram que o sistema nervoso possivelmente tenha uma ação mediadora secundária, com efeitos menores e que não representa o âmago central do mecanismo da acupuntura (Pearson P, 1987). Considera-se ainda que a teoria neuro-humoral é principalmente descritiva, com pouco poder de prognóstico.

A voltagem de 30 – 100mV no epitélio representa a diferença de potencial entre as camadas celulares e não do potencial de membrana (Jaffe,LF- 1977). Um ponto de convergência da corrente da superfície é local com densidade de corrente elétrica máxima e corresponde a um ponto de acupuntura de alta densidade de junções “gap” e condutância elétrica elevada. É um ponto singular, que, conforme definição na Matemática, indica a transição abrupta de um estado para outro, no caso, da mudança abrupta no fluxo da corrente elétrica. Com a utilização do SQUID (Superconducting Quantum Interference Device), é possível realizar o mapeamento eletromagnético do couro cabeludo, onde se pode evidenciar um ponto singular na superfície desse campo onde as trajetórias do fluxo magnético da superfície convergem e entram no corpo. É exatamente um ponto de acupuntura (VG 20 – Bahui), mostrando que a via do fluxo magnético no couro cabeludo coincide com o meridiano Vaso Governador. Esse meridiano é uma separatriz que divide a superfície do campo magnético em dois domínios simétricos de direções diferentes do fluxo. Uma separatriz pode se conectar com pontos singulares. Morfologicamente, o Vaso

Governador também é o eixo de simetria do couro cabeludo, e não corresponde à distribuição de qualquer nervo, vaso linfático ou sangüíneo.

É imenso o campo de possibilidades de pesquisas na área da Medicina Tradicional Chinesa MTC, e o grande desafio é fazer juz à Ciência na procura da verdade, não por mera acumulação dessas verdades e sim pela eliminação de erros na busca da Verdade. Segundo Karl Popper, são as teorias mais adaptadas à explicação dos fenômenos que sobrevivem, pois resistem à demonstração de uma provável falsidade. Os princípios da MTC resistem há mais de 3 mil anos, sendo que em todo o seu desenvolvimento histórico não faltaram os céticos que tentaram falseá-la, nem as mentes verdadeiramente científicas que buscam transformar as idéias sem perder a essência, com coerência admirável no processo de uma busca multiprofissional para equilibrar dinamicamente as diferenças e fazer pontes para integrar os conhecimentos.

Referências Bibliográficas

– Langevin, H.M.; Yandow, J.A. – Relationship of acupuncture points and meridians to connective tissue planes.
– Simon, J.; Guiraud, G.; Esquerre, J.P.; Lazorthes, Y.; Guiraud, R. – Acupuncture meridians demythified. Contribution of radiotracer methodology; and Acupuncture meridians and radiotracers.
– Ahn, A.C.; Wu, J.; Badger, G.J.; Hammerschlag, R.; Langevin, H.M. – Electrical impedance along connective tissue planes associated with acupuncture meridians.
– Kovacs, F.M.; Gotzens, V.; Garcia, A.; Garcia, F.; Mufraggi, N.; Prandi, D.; Setoain, J.; Roman, F.S. – Experimental study on radioactive pathways of hypodermically injected technetium-99m. – Journal of Nuclear Medicina, Vol.33.
– Friedman, M.J.; Birch, S.; Tiller, W.A. – Towards the development of a mathematical model for acupuncture meridians.
– Gaviolle,MC – Modelo Experimental para o estudo da interação entre acupuntura e fenômenp regenerativo induzido em cauda de girino de Rana catesbeiana. São Paulo, 1999, 105p. Tese (Doutorado).
– Dumitrescu,Fl.I – Acupuntura Científica Moderna, Ed. Andrei, São Paulo,1999.
– Stux,G.,HammerschlagR.- Acupuntura Clínica, Ed. Manole S.Paulo,2005.
– sitewww.territoriosdamente.blogspot.com
– Morin,E – Ciência com Consciência, Ed.Bertrand Brasil, 2a. ed.
– Yu,LL et col. – Atlas Gráfico de Acupuntura Seirin,Ed. Könemann, Espanha,2000
– Eça,L.P. – Biologia Molecular, Editora Revinter, São Paulo, 2004.
Revista do Biomédico – Edição nº73

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