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Acupuntura no Controle da Hipertensão Arterial Sistêmica Após Acidente Vascular Encefálico: Um Estudo de Caso

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Imagem Iustrativa – Envato

Baseado no TCC da aluna: Ana Carolina Icó dos Santos

Introdução:

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma condição crônica multifatorial caracterizada pela elevação sustentada dos níveis pressóricos em ≥ 140 e/ou 90 mmHg, e considerada um dos principais fatores de risco cardiovascular modificáveis, além de ser um dos mais importantes problemas da saúde pública (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2010). A HAS é agravada pela presença de outros fatores de risco, como dislipidemia, tabagismo, obesidade e diabetes mellitus (DM), assim como frequentemente se associa a distúrbios metabólicos, alterações funcionais e/ou estruturais em órgãos ou vasos sanguíneos (MALACHIAS et al., 2016).

A HAS apresenta alta morbimortalidade, com risco potencial de perda da qualidade de vida, o que reforça a importância do diagnóstico precoce. Por se tratar de uma doença tratada e controlada com mudanças no estilo de vida e seu diagnóstico não depender de tecnologia sofisticada, a HAS atualmente é contemplada dentro das linhas de cuidado da Atenção Básica à Saúde (AB) do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil (BRASIL, 2013).

O início da hipertensão para a MTC está relacionado com a síndrome de ascensão do Yang do Fígado e sua etiopatogenia aponta três causas possíveis para esse distúrbio. Segundo Gonzalez Garcia (1999) a primeira hipótese associa a superexcitação nervosa, o estresse, a irritabilidade contida e a preocupação excessiva durante tempo prolongado são a produção do quadro de estagnação de Qi do Fígado que se transforma em fogo podendo lesionar o Yin do Fígado, não permitindo seu controle sobre o Yang e assim originando a subida do Yang do Fígado. A segunda hipótese está relacionada à ingestão excessiva de alimentos doces, gordurosos e de bebidas alcoólicas lesionam a função do Baço de transporte e transformação, favorecendo o acúmulo excessivo de umidade patogênica, que por sua vez transforma-se em calor com o tempo, consumindo os líquidos corporais e os convertendo em fleuma que obstrui os vasos favorecendo a ascensão do Yang, produzindo a hipertensão. Já a terceira hipótese apontada por Gonzalez Garcia (1999) está relacionada à deficiência de Yin do Rim provocada trabalho excessivo ou pelo próprio envelhecimento, que não nutre o Yin do Fígado tornando-o também insuficiente, não podendo controlar o Yang e assim provocando a síndrome de ascensão do Yang do Fígado. Além da HAS, outros padrões de doenças estão relacionados com o YIN deficiente favorecendo a ascensão de Yang, evoluindo para o Fogo Crescente até chegar no quadro mais grave denominado como agitação do Vento do Fígado, apontado na MTC como causador de Acidente Vascular Cerebral ou Encefálico (AVE) e da epilepsia (ROSS, 1994).

Metodologia:

Foram realizadas dez sessões de acupuntura sistêmica, com duração de aproximadamente cinquenta minutos cada, com a frequência de uma vez por semana. Durante as sessões foram utilizadas agulhas de acupuntura de 0,25 x 0,30mm com cabo espiral inox, esterilizada, e a punção realizada com auxílio de mandril de plástico bilateral no corpo. Os acupontos selecionados foram  o R6, R3, F3, BP6, IG4, VG20, Yintang que foram localizados com o auxílio de atlas ilustrado para acupuntura e a durante a sessão a pacientes permaneceu deitada em decúbito dorsal em repouso. Logo após a retirada das agulhas a paciente foi submetida à auriculoterapia.

Na sessão de auriculoterapia foram usadas sementes de colza previamente fixadas em esparadrapo em placa apropriada. O posicionamento das sementes no pavilhão auricular foi realizado com pinça metálica e apalpador para identificação do ponto anatômico de maior sensibilidade conforme mapa auricular. A paciente foi orientada a manter as sementes no pavilhão auricular por cinco dias e estimular com leve pressão em cada semente uma vez ao dia.

Os pontos selecionados para a auriculoterapia chinesa foram Hipotensor, Shen Men, Fígado, Rim, Coração, Frontal, Occipital, Sangria no ápice pois conforme descrito por Gonzalez Garcia (1999) o ponto Hipotensor é especifico para o diagnóstico e tratamento da HAS, o Shen Men tem função sedante e hipotensora, já os pontos Fígado, Rim e Coração representam os três órgãos que guardam estreita relação com a HAS já que síndromes de deficiência de Yin do Fígado e do Rim e ascensão do Yang do Fígado entram entre as causas fundamentais desta patologia, e por fim Frontal, occipital e sangria no ápice desempenham um papel de clarear a mente e a visão, acalmar a dor e produzir efeito hipotensor

Estudo de Caso

Paciente mulher, 67 anos, viúva, diarista com diagnóstico de HAS há 5 anos em uso de anti-hipertensivos oral e diurético, seguindo dieta hipossódica. Sofreu Acidente Vascular Encefálico Isquêmico (AVEi) com hemiparesia em hemicorpo direito, desvio de rima e dislalia. Após cinco dias de internação hospitalar, recebeu alta médica, passou por avaliação e intervenção com fonoaudióloga com recuperação total da fala e ausência de disfagia. Iniciou fisioterapia semanal em domicilio com boa melhora de mobilidade, equilíbrio e força, porém manteve episódios de picos hipertensivos mesmo com uso regular da medicação e dietoterapia, conforme apontado no quadro 2 que apresenta os registros de pressão sistólica (PS) e pressão diastólica (PD) no mês de maio de 2019 cuja pressão arterial média foi de 134x78mmHg.

O objetivo do tratamento proposto para a paciente foi de tonificar o Yin do Rim e acalmar a ascensão do Yang do Fígado, por isso foram escolhidos os pontos R6, R3, F3, BP6, IG4, VG20, Yintang. Os pontos no meridiano do Rim foram escolhidos com o intuito de tonificar o Yin, já que os Rins são considerados a base de todas as energias Yin e Yang do corpo, e é comum as síndromes de deficiência de Yin ou Yang serem dependentes da Deficiência do Yin do Rim ou do Yang do Rim. Por outro lado, os pontos do meridiano do Fígado, em especial o F3 é um dos pontos mais usados na acupuntura, principalmente em condições em que é preciso harmonizar, dispersar ou mover a estagnação do Qi ou do sangue e acalmar a ascensão do Yang do Fígado.

Durante 10 semanas de julho a agosto de 2019, a paciente foi submetida a sessões de acupuntura sistêmica e auriculoterapia chinesa e teve sua pressão arterial monitorada após intervenção conforme descrito no quadro 3. No período a pressão arterial média foi de 116 x 69mmHg, apresentando redução de 18mmHg da PS e 9mmHg na PD.

Resultados:

Após intervenção paciente relatou melhora da sensação de cansaço em membros inferiores, aumento da qualidade e horas de sono, suspensão dos episódios de tontura e cefaleia, assim como diminuição da intensidade e episódios de dor em articulações. No que diz respeito ao aspecto emocional, a paciente referiu melhora do quadro de agitação e irritabilidade, porém passou a demonstrar diminuição do humor, redução do interesse por atividades antes prazerosas e tendência a isolamento em residência, apontando possível risco para depressão.

Quando questionada sobre motivo da mudança de humor, paciente revelou se sentir frustrada por não poder trabalhar e ainda precisar de apoio familiar para realizar suas atividades instrumentais de vida diária devido a sequelas do AVEi.

Até a finalização do presente estudo a paciente continua em acompanhamento com médico especialista, realiza exames periódicos, permanece em uso de medicações, embora seu médico aguarde resultados de exames de monitoramento pressórico para avaliar a redução dos anti-hipertensivos.

Discussão:

Segundo referido por Ross (1994), os sintomas relatados pela paciente indicam duas possíveis síndromes energéticas denominadas na MTC como Ascenção de Yang do Gan (Fígado) e Deficiência do Yin do Shen (Rim), uma vez que a deficiência da energia Yin frequentemente está associada à deficiência de Xue (sangue) provocando insônia e má nutrição de músculos e tendões ocasionando fraqueza e dores crônicas, enquanto que a ascensão de Yang tem a tendência de afetar a parte superior do corpo, principalmente a cabeça provocando movimento

rápido, repentino e irregular de Qi (energia) oposto ao fluxo suave e uniforme promovido pelo Gan. Os movimentos anormais, inconstantes e rápidos da circulação de Qi e Xue para a cabeça são caracterizados na MTC como agitação do Vento do Gan, síndrome energética que ocasiona consequências graves como vertigens, tremores, tíques, espasmos, convulsões e o próprio AVE (ROSS, 1994; GONZALEZ, 1999).

A hiperatividade do Yang do Fígado é um padrão de deficiência e excesso combinados, pois se origina da deficiência do Yin do Fígado e/ou do Rim causando ascensão do Yang, já pelo conceito dos Cinco Elementos a Água está deficiente e não consegue nutrir e submergir a Madeira que se torna seca e provoca a hiperatividade do Yang do Fígado (MACIOCIA, 2018).

De acordo com Maciocia (2018), a causa mais comum para esse padrão de desequilíbrio são manifestações emocionais por um longo período como raiva, frustrações e ressentimentos, assim

como um estilo de vida apressado como comer com pressa, ficar irritado durante as refeições e comer enquanto trabalha são condições que podem causar ascensão do Qi, resultando no padrão de ascensão do Qi do Fígado. Segundo Auteroche e Navailh (1992) o desequilíbrio crônico entre Yin e Yang provocado por um estilo de vida em que o indivíduo se expõe a fatores patogênicos

externos (frio, calor, secura, umidade, vento), se alimenta de maneira desequilibrada ou mesmo mantém hábitos e comportamentos que promovem alterações emocionais (raiva, medo, insegurança, euforia, preocupação) excessivas, leva a uma transformação do Yin em Yang e vice-versa, gerando um ciclo em que uma energia consome a outra e assim alimenta e agrava as síndromes energéticas. Na sociedade atual, na qual as pessoas tem o hábito do exercício mental excessivo, ritmo de vida acelerado, alto nível de estresse, ingestão de grandes quantidades de

alimentos ricos em gorduras e exposição crônica ao clima das cidades, tende a se observar maior predominância de síndromes energéticas de deficiência de Yin e aumento de Yang (ROSS, 2003).

Experiências exitosas com o uso da acupuntura como estratégia de intervenção no tratamento da HAS são descritas na literatura como os achados de Kim et al. (2012) que observou a diminuição da PA diastólica, sobretudo no período noturno, após aplicação de acupuntura em indivíduos hipertensos de 18 a 70 anos na Coréia. Outras intervenções com resultados positivos com acupuntura voltados para a redução da PA são descritas na literatura como os achados de Cevik e Iseri (2013) que identificaram significativa diminuição da PA sistólica e diastólica em 34 pacientes com hipertensão arterial em tratamento medicamentoso após serem submetidos a sessões de acupuntura. A redução da PA sistólica e diastólica também foi relatada por Severcan et al. (2012) após associar acupuntura ao tratamento convencional em pacientes hipertensos durante dez semanas. A acupuntura sistêmica parece também ser capaz de diminuir a pressão arterial em indivíduos com HAS em estágio I, conforme apontado por Liu et al. (2015) após estudo em pacientes submetidos a 8 semanas de sessões de acupuntura sistêmica e que apresentaram redução estatisticamente significativa de 5,7 mmHg na pressão diastólica quando comparado ao controle.

Revisões sistemáticas relacionando o uso da acupuntura em ensaios clínicos randomizados são amplamente descritas na literatura, apresentando boa validade e controle de variáveis de acordo com os padrões de recomendação universal para estudos clínicos, o que possibilita deduzir que a acupuntura sistêmica se constitui uma tecnologia eficaz de intervenção em saúde aplicada ao cuidado de pessoas com HAS. Li et al (2014) concluiu após uma revisão sistemática com meta-análise de 4 ensaios clínicos randomizados que a acupuntura foi capaz de reduzir significativamente a PA quando associada ao uso de medicamentos anti-hipertensivos em 386 pacientes hipertensos, assim como Wang, Xion e Liu (2013) evidenciou que em 35 ensaios clínicos randomizados envolvendo 2539 pacientes, a acupuntura pode contribuir na redução da PA sistólica e diastólica de pacientes hipertensos. Resultados semelhantes foram encontrados por Kim e Zhu (2010) que revelaram que a acupuntura melhorou a disfunção endotelial reduzindo os níveis da PA sistólica e diastólica após analisar estudos com 15 hipertensos na Coréia do Sul.

Para a MTC os sintomas relatados pela paciente do presente estudo estão relacionados a manifestação da ascensão do Yang do Fígado, portanto o uso dos pontos

Embora as evidências do efeito positivo da acupuntura no controle da HAS descritas na literatura, há pesquisadores que questionam os efeitos da eficácia da acupuntura (ZHAO et al. 2019). Segundo os contrários ao uso da acupuntura as respostas fisiológicas ao agulhamento em locais incorretos podem ser idênticas aos da acupuntura, além de acreditarem que fatores relevantes, incluindo ambiente de tratamento, as expectativas e atitudes do paciente, a confiança do acupunturista no tratamento e a interação paciente com o acupunturista podem influenciar a resultado (LUND, NASLUND e LUNDEBERG, 2009).

Estudos adicionais amplos e de longo prazo comparando a eficácia da acupuntura no tratamento da HAS são necessários, em especial para que possam ser discutidas políticas públicas de adoção da acupuntura na Atenção Básica a Saúde, tendo em vista seu potencial terapêutico mesmo quando aplicada como terapia complementar de saúde a pessoas com HAS.

Conclusão:

Tendo em vista os resultados alcançados no presente estudo, foi possível constatar que a acupuntura sistêmica e acupuntura auricular parecem ser eficazes no cuidado de pessoas com HAS.

O protocolo de acupontos proposto foi capaz de promover redução nos parâmetros observados de pressão arterial durante o período de intervenção, indicando seu emprego como possibilidade de estratégia no controle da HAS. No entanto, para expandir sua prática e difundir o uso do protocolo na Atenção Básica à Saúde são necessários novos estudos em nível populacional a fim de fomentar políticas públicas de adoção da acupuntura na saúde pública brasileira.

Profa. Ma. Luciana Mendes Vinagre

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